quarta-feira, maio 07, 2008

Gauchônia, o Estranho País dos Gaúchos

Gauchônia, o estranho País dos Gaúchos
"Sou maior que a história grega,
Sou gaúcho e me chega, pra ser feliz no Universo"
Marco Aurélio Campos

O tradicionalismo gaúcho nasceu no entardecer do século XIX tendo como figura maior o Major João Cezimbra Jacques. Do surgimento do Grêmio Gaúcho de Porto Alegre, em 1898, até o ano de 1948, surgiram várias iniciativas no sentido de construir núcleos de culto ao gauchismo, alcançando um sucesso relativo.
A sociedade começava a separar-se, de um lado a urbana para não se confundido com a sociedade pastoril, reunia-se nos clubes comerciais (elite) e Caixeral (mídia) enquanto ao peão restava apenas o aconchego do galpão e da viola, onde cantava seu amor a terra.
Surge em Pelotas, a União Gaúcha criada em 1899 por João Simões Lopes Neto. Este elucidava o porquê da criação de tal agremiação:
"Hábitos saudáveis na família estão sendo cada dia, abolidos. Brincadeiras infantis, esquecidos. Praticas e Usanças características, desprezadas. (...) é o lento suicídio de nossa personalidade."
As agremiações criadas ainda, no século XIX, como grêmio gaúcho de Porto Alegre (1898), União Gaúcha (1899), Centro Gaúcho de Bagé (1899) e no inicio do século XX o Grêmio Gaúcho de Santa Maria (1901), Sociedade Gaúcha Lomba Grande (1938) e o Clube Farroupilha de Ijuí (1943) foram o despertar do patriotismo como uma alavanca na afirmação da identidade local. Era a semente que germinaria com muita força na segunda metade do século XX.
Enquanto Simões Lopes Neto divulgava seus trabalhos folclóricos, no Rio de Janeiro os sul-riograndenses ganhavam o apelido de "gaúchos". O Dr. Severino de Sá Brito registrava com simpatia a novidade:
De algum tempo nossos amáveis patrícios do RJ nas suas habituais gentilezas nos alcunham de gaúchos, por darem a essa palavra uma expressão de galhardia e elevação"
Mas no Rio Grande o fato causou mal estar à elite urbana, onde saiu no Almanaque do RS em 1912 o artigo "gaúcho, por quê?". As criticas eram enormes, a ponto de Cezimbra Jaques exilar-se no RJ para não ser ridicularizado.
Após a primeira grande guerra, já na década de 20 os riograndenses já vinham aceitando, sem maiores restrições, a alcunha de gaúcho, que vinha,coincidentemente com os modismos de fora. A classificação dada era relacionada à perícia campeira, das habilidades exercidas sobre os animais nas lidas de campo da estância.
Em 1947, em Porto Alegre, surgiu um núcleo constituído por jovens interioranos que tiveram a felicidade de conceber uma forma associativa calcada totalmente na vivência do gaúcho campesino, do que resultou a criação do 35 Centro de Tradições Gaúchas, em abril de 1948.
No final dos anos setenta era comum afirmar que as tradições gaúchas estavam acabando, mas o que se verificou nos anos oitenta foi o fortalecimento do gauchismo. O surgimento de mais de quarenta festivais nativistas durante esta década com certeza contribuiu para a afirmação da cultura tradicionalista, principalmente nos centros urbanos sendo muito comum o uso da bota e da bombacha por jovens que nunca encilharam um cavalo ou participaram de lidas de campo. Mesmo contribuindo para a divulgação e a afirmação da cultura riograndense os festivais sofreram restrições dos tradicionalistas, pois , se os tradicionalistas defendem e pesquisam a cultura desde o seu passado, os nativistas vêem a cultura partindo dos dias atuais. Mesmo existindo divergências entre tradicionalistas e nativistas a importância de ambos não pode ser desprezada, pois as suas preocupações são voltadas para a mesma temática, ou seja, os usos e costumes dos gaúchos.
Passaram-se pouco mais de cinqüenta anos e daquela semente inicial surgiu uma frondosa árvore cujos ramos se constituem, hoje, nos mais de dois mil e quinhentos núcleos dedicados à cultura gaúcha. O surgimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), enquanto federação (associação), no ano de 1966, foi uma decorrência natural da necessidade de uma orientação unificada e de normas que pudessem organizar aquele movimento de culto ao gauchismo, surgido espontaneamente do seio da sociedade sul-riograndense. Nascido com pretensões limitadas, o movimento tradicionalista de Barbosa Lessa e Paixão Cortes transformou-se no maior movimento cultural já existente no Brasil.
Chegamos ao século XXI com um Movimento Organizado, talvez exageradamente formalista, mas forte o suficiente para ocupar um espaço mais generoso na sociedade gaúcha.
Somente no Rio Grande do Sul, o MTG congrega 1475 entidades juridicamente constituídas e que, somadas, totalizam mais de um milhão e meio de sócios. O Movimento constitui-se, desta forma, numa respeitável força social, cultural, política e econômica.
As atividades típicas do gauchismo, realizadas pelas entidades tradicionalistas, movimentam um volume fantástico de recursos financeiros e se constituem no maior motor do turismo interno no Estado. São realizados, em média, duzentos eventos tradicionalistas por semana, dos quais participam no mínimo cem pessoas e alcançam a dezenas de milhares, nos rodeios de maior envergadura.
De outra parte, como entidade responsável pela preservação e fortalecimento dos aspectos da tradição gaúcha, o MTG tem assumido posições muito claras no combate às iniciativas que deslustram a nossa música, a indumentária e a encilha típicas gaúchas. A posição do MTG não é contra a quem quer que seja e nem tem o objetivo de impedir o surgimento de outras manifestações, mas tem a finalidade de favorecer, premiar, valorizar aqueles que mantém a tradição nas suas manifestações e na sua forma de vestir ou de encilhar o cavalo. Acreditamos que podemos alcançar o global cantando o local como afirmou Tolstói e como estabeleceu Glaucus Saraiva ao redigir a Carta de Princípios do Tradicionalismo Gaúcho, adotada desde 1961.
Ubiratan da Cunha Guilherme
Tradicionalista e Academico de Relações Públicas da Facct.

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