quinta-feira, julho 31, 2008

A Lenda

A LENDA DO NEGRINHO DO PASTOREIO

Era o tempo da escravidão e um menino negrinho, pretinho que nem carvão, humilde e raquítico era escravo de um fazendeiro muito rico, mas por demais avarento. Se alguém necessitasse de um favor, não se podia contar com este homem. Não dava um níquel a ninguém e seu coração era a morada de uma pedra, não nutria qualquer sentimento por ninguém, a não ser por seu filho, um menino tão malvado quanto seu pai, pois afinal, a fruta nunca cai muito longe da árvore. Este dois eram extremamente perversos e maltratavam o menino-escravo desde do raiar do dia, sem lhe dar trégua. Este jovenzinho não tinha nome, porque ninguém se deu sequer o trabalho de pensar algum para ele, assim respondia pelo apelido de "negrinho".
Seus afazeres não eram condizentes com seu porte físico, não parava o dia inteiro. O Sol nascia e lá já estava ele ocupado com seus afazeres e mesmo ao se por, ainda se encontrava o negrinho trabalhando. Sua principal ocupação era pastorear. Depois de encerrar seu laborioso dia, juntava os trapos que lhe serviam de cama e recebia um mísero prato de comida, que não eram suficientes para repor as energias perdidas pelo sacrificado trabalho.
Mesmo sendo tão útil, considerado mestre do laço e o melhor peão-cavaleiro de toda a região, o menino era inúmeras vezes castigado sem piedade.
Certa vez, o estanceiro atou uma carreira com um vizinho que gabava-se de possuir um cavalo mais veloz que seu baio. Foi marcada a data da corrida e o negrinho ficou encarregado de treinar e montar o famoso baio, pois sabia seu patrão, não haver ninguém mais capaz que ele para tal tarefa.
Chegando o grande dia, todos os habitantes da cidade, vestindo suas roupas domingueiras,se alojaram na cancha da carreira. Palpites discutidos, apostas feitas, inicia-se a corrida.
Os dois cavalos saem emparelhados. Negrinho começa a suar frio. pois sabe o que lhe espera se não ganhar. Mas, aos poucos toma a dianteira e quase não há dúvida de que seria vencedor. Mas, eis que o inesperado acontece, algo assusta o cavalo, que para, empina e quase derruba Negrinho. Foi tempo suficiente para que seu adversário o ultrapasse e ganhe a corrida.
E agora? O outro cavalo venceu. Negrinho tremia feito "vara verde" ao ver a expressão de ódio nos olhos de seu patrão. Mas o fazendeiro, sem saída, deve cobrir as apostas e põe a mão no lugar que lhe mais caro: o bolso.
Ao retornarem à fazenda, o Negrinho tem pressa para chegar a estrebaria.
- Aonde pensa que vai? pergunta-lhe o patrão.
- Guardar o cavalo sinhô! Balbuciou bem baixinho.
- Nada feito! Você deverá passar trinta dias e trinta noites com ele no pasto e cuidará também de mais 30 cavalos. Será seu castigo pelo meu prejuízo. Mas, ainda tem mais, passe aqui que vou lhe aplicar o devido corretivo.
O homem apanhou seu chicote e foi em direção ao menino:
- Trinta quadras tinha a cancha da corrida, trinta chibatadas vais levar no lombo e depois trata de pastorear a minha tropilha.
Lá vai o pequeno escravo, doído até a alma levando o baio e os outros cavalos à caminho do pastoreio. Passou dia, passou noite, choveu, ventou e o sol torrou-lhe as feridas do corpo e do coração. Nem tinha mais lágrima para chorar e então resolveu rezar para a Nossa Senhora, pois como não lhe foi dado nome, dizia-se afilhado da Virgem. E, foi a "santa solução", pois Negrinho aquietou-se e então cansado de carregar sua cruz tão pesada, adormeceu.
As estrelas subiram aos céus e a lua já tinha andado metade de seu caminho, quando algumas corujas curiosas resolveram chegar mais perto, pairando no ar para observar o menino. O farfalhar de suas asas assustou o baio, que soltou-se e fugiu, sendo acompanhado pelos outros cavalos. Negrinho acordou assustado, mas não podia fazer mais nada, pois ainda era noite e a cerração como um lençol branco cobria tudo. E, assim, o negrinho-escravo sentou-se e chorou...
O filho do fazendeiro, que andava pelas bandas, presenciou tudo e apressou-se em contar a novidade ao seu pai. O homem mandou dois escravos buscá-lo.
O menino até tentou explicar o acontecido para o seu senhor, mas de nada adiantou. Foi amarrado no tronco e novamente é açoitado pelo patrão, que depois ordenou que ele fosse buscar os cavalos. Ai dele que não os encontrasse!
Assim, Negrinho teve que retornar ao local do pastoreio e para ficar mais fácil sua procura, acendeu um toco de vela. A cada pingo dela, deitado sobre o chão, uma luz brilhante nascia em seu lugar, até que todo lugar ficou tão claro quanto o dia e lhe foi permitido, desta forma, achar a tropilha. Amarrou o baio e gemendo de dor, jogou-se ao solo desfalecido.
Danado como ele só e, não satisfeito com já fizera ao escravo, o filho do fazendeiro, aproveitou a oportunidade de praticar mais uma maldade dispersa os cavalos. Feito isso, correu novamente até seu pai e contou-lhe que Negrinho havia encontrado os cavalos e os deixara fugir de propósito. A história se repete e dois escravos vão buscá-lo, só que desta vez seu patrão está decidido em dar cabo dele. Amarrou-o pelos pulsos e surrou-o como nunca. O chicote subia e descia, dilacerando a carne e picoteando-a como guisado. Negrinho não agüentou tanta dor e desmaiou. Achando que o havia matado, seu senhor não sabia que destino dar ao corpo. Enterrá-lo lhe daria muito trabalho e avistando um enorme formigueiro jogou-o lá. As formigas acabariam com ele em pouco tempo, pensou.
No dia seguinte, o cruel fazendeiro, curioso para ver de que jeito estaria o corpo do menino, dirigiu-se até o formigueiro. Qual sua surpresa, quando o viu em pé, sorrindo e rodeado pelos cavalos e o baio perdido. O Negrinho montou-o e partiu a galope, acompanhado pelos trinta cavalos.
O milagre tomou o rumo dos ventos e alcançou o povoado que alegrou-se com a notícia. Desde aquele dia, muitos foram os relatos de quem viu o Negrinho passeando pelos pampas, montado em seu baio e sumindo em seguida por entre nuvens douradas. Ele anda sempre a procura das coisas perdidas e quem necessitar de seu ajutório, é só acender uma vela entre as ramas de uma árvore e dizer:
Foi aqui que eu perdi
Mas Negrinho vai me ajudar
Se ele não achar
Ninguém mais conseguirá!